24.6.15

tannat


dear,

a meia garrafa de tannat ainda está em cima da geladeira, ao lado do pinguim de cartola e da caixa de primeiros socorros. kitsch e triste assim. por qual razão eu ainda não deitei-a fora, desconheço a resposta. tive receio de terminar de bebê-la e ser uma disrupção total. imaginei as paredes caindo, o prédio desabando, os escombros me sufocando a garganta, o aço perfurando os pulmões, o concreto quebrando os ossos em fraturas expostas. então fica ali o souvenir do fracasso, do contato displicente, do amor escasso. que fique lá, tannat, até que, por milagre, vire água de beber, camará, e não vinagre inútil.

lembro bem do susto quando me perguntou qual vinho eu queria levar. eu não sabia o que responder. não porque eu não preferisse algo encorpado, talvez com aroma de café, com baixos taninos. deslizei pela memória o que a ocasião pedia, o que o futuro prometia e só soube ser telegráfico: tinto. seco.

o que não dizia nada.
ou dizia em foreshadowing.

senti-me tão idiota depois. você rindo da minha resposta estúpida e eu só lembrando daquela história antiga que virou quase anedota entre os amigos: em um jantar elegante que preparei, depois de servir o vinho, experimentar o prato, fui interrompido na conversa com o pedido de licença para por uma pitada de açúcar ou umas gotas de adoçante na taça. para dar gosto. eu: recuperando-me do choque da pergunta. eu: fazendo o mesmo papel de idiota com sua pergunta eu: sentindo-me inferior perto de ti que não era nada.

ainda me sinto idiota olhando para essa meia garrafa de tannat.

e também experimento de memória: a assemblage das tuas meias verdades, o adocicado da tua língua de sálvia-lábia, o frutado e sedoso merlot da tua história canalha. e o gosto que ficou: tinto. seco. e a sós.

.: marcio markendorf






Um comentário:

raphael de boer disse...

Biltiful.

E o branc

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